
Amar-se é o verbo reflexivo que nos prepara para o amor
Olhe-se no espelho (por Paulo Coelho)
seg, 21/01/13
por Paulo Coelho
Diante do espelho, reparamos os pequenos detalhes: as mudanças na pele, o cabelo que precisa ser penteado, a escova de dente movendo-se de um lado para o outro.
Mas, raramente, olhamos o fundo de nossos olhos. Você já experimentou, diante de um espelho, esquecer os detalhes citados acima – e fazer isto?
Com certeza não irá ver quanto é belo. Ou quanto é feio. A imagem irá contar histórias que você não sabe a respeito da pessoa que está do outro lado.
E sabe o que é mais curioso? Depois de um certo tempo, você termina descobrindo que a pessoa que lhe devolve o olhar tem um mistério a ser cumprido.
Não, não vou tirar de você a experiência do espelho. Faça você mesmo – e descubra.
Das qualidades II
“Mestre, ontem o senhor falou das qualidades do Caminho”, disse um discípulo.
“Ensinou que ele aceitava os erros, apagava a ansiedade, fertilizava a alma, e acabava com o sofrimento”.
“O Caminho também possui três qualidades da montanha, e uma qualidade do trapézio”, disse o mestre. E continuou:
“O pico da montanha permite que vejamos o mundo inteiro, e também o Caminho. A montanha exige paciência para ser vencida, e também o Caminho. A montanha não se deixa abalar por quem tenta subi-la; o Caminho não se abala com os caminhantes”.
“E qual a qualidade do trapézio?” perguntou um aluno.
“O trapézio sempre está presente quando o acrobata se atira no espaço com confiança. Assim também é o caminho; ele não falha quando temos a coragem de segui-lo”, concluiu o mestre.
Das qualidades
“O que é o Caminho?”, perguntou um dos discípulos.
“O Caminho tem uma qualidade do lótus, duas qualidades da água, e duas qualidades da medicina”, respondeu o mestre.
“Conte-nos sobre a qualidade do lótus”, disse um dos alunos.
“Assim como o lótus continua puro apesar da qualidade da água que o cerca, também a Busca Espiritual não se deixa contaminar por nossos erros”.
“Conte-nos das qualidades da água”, disse um aluno mais velho.
“Como a água apaga o fogo, o Caminho apaga a ansiedade. Como a água fertiliza a terra, o Caminho fertiliza a alma”.
“E quais são as qualidades da medicina?” perguntou outro.
“A medicina cura o veneno do escorpião, e o Caminho nos torna imunes ao veneno dos inimigos. Ela acaba com o sofrimento – assim como o Caminho”.
“Mas não é só isto. Amanhã direi mais”, falou o mestre.
A vida é um ato de fé
Se todos vivessem suas vidas e deixassem que os outros fizessem o mesmo, Deus estaria em cada instante, em cada grão de mostarda, no pedaço de nuvem que se mostra e se desfaz no momento seguinte.
Deus está ali, e mesmo assim as pessoas acreditam que é preciso continuar procurando, porque parece simples demais aceitar que a vida é um ato de fé.
As palavras de Deus estão escritas no mundo que nos rodeia. Basta prestar atenção ao que acontece em nossa vida para descobrir em qualquer momento do dia onde Ele esconde suas palavras e sua vontade
Um mestre e duas respostas
Zilu perguntou: “quando devo colocar em prática as coisas que aprendi?”
Confúcio respondeu: “ainda estou lhe ensinando. Por que esta impaciência de colocar algo em prática? Espere a hora certa”.
No momento seguinte, Gongchi perguntou: “quando devo colocar em prática as coisas que aprendi?”
“Imediatamente”, respondeu Confúcio.
“Mestre, o senhor não age com justiça”, reclamou Zilu. “Congchi sabe tanto quanto eu, e o senhor não o proibiu de agir.”
“Um bom pai conhece a essência de seus filhos”, disse Confúcio. “Ele freia aquele que é ousado demais, e empurra o que não sabe andar com as próprias pernas”.
A cor das faixas
Wang Tsing, professor de Tai Chi Chuan, vive atualmente na Argentina – depois de ter passado quase uma década em São Paulo. Com 82 anos, continua a ensinar aos seus alunos que a harmonia interior é fundamental para a felicidade exterior.
Um de seus discípulos me contou que certa vez quis saber de Wang Tsing por que o Tai Chi não usa o sistema de cintos coloridos de outras artes marciais (que indica o grau do aprendizado).
- Quem tem dinheiro, não o carrega nas mãos, e sim nos bolsos – respondeu Wang. – Quem tem muito dinheiro, não fica com os bolsos cheios, mas o coloca no banco. Qual o sentido de andar com um cinturão, a vista de todos, revelando tudo o que sabe?
“Um bom guerreiro sabe que a estratégia é muito mais importante que a vaidade”.
Khalil Gibran e a arte de dar
Vocês dizem: “eu dou, mas para quem merece”.
“As árvores não falam assim, e nem os rebanhos. Eles dão para que possam continuar vivendo; reter é morrer. Quem é digno de ganhar de Deus os dias e as noites, é digno também de receber de vocês tudo que precisa. Quem mereceu beber do oceano da vida, merece também encher sua taça no pequeno córrego de cada um”.
“Porque exigir que um homem exponha seu íntimo, e desnude seu orgulho, a fim de que possam decidir se ele merece ajuda? Procurem, isto sim, ver se vocês merecem dar”.
“E vocês, que recebem, não assumam nenhuma dívida de gratidão, para que não se crie um laço de domínio com os seus benfeitores”.
“Porque, se ficarem demasiadamente preocupados com estas dívidas terminarão duvidando da generosidade da terra e do Pai – que foi de onde estas dádivas realmente vieram”.
Preparado para o adeus
“Viver é estar sempre preparado para dizer adeus”, diz um amigo meu, no aeroporto. Caminhamos de um lado para o outro, enquanto aguardo a hora do meu vôo.
“Entretanto”, continua meu amigo, “a Natureza é sábia. Cura a alma da mesma maneira com que cura o corpo”.
“Passamos por três estágios da doença do adeus. O primeiro é a negação: isto não é verdade!
“Depois vem o desespero, a revolta: era verdade! tal coisa nunca podia acontecer comigo!
“Finalmente, vem a aceitação: bem, era verdade, aconteceu, agora é preciso seguir adiante!
“Se vivermos cada uma destas etapas, sem vergonha, sem tentar cortar caminho, a Natureza se encarregará de fechar a ferida. Mas ela precisa do mesmo ingrediente que é necessário para curar os males do corpo: tempo”.
Nada fiz para merecer um anjo
- Vê aquele homem santo, humilde, caminhando pela estrada? – disse um demônio para o outro. “Pois vou até lá conquistar sua alma”.
- Ele não lhe dará ouvidos, porque só presta atenção em coisas santas – respondeu seu companheiro.
Mas o demônio, ardiloso como sempre, vestiu-se como o Arcanjo Gabriel e apareceu para o homem.
- Vim para ajudá-lo – disse.
- Talvez você esteja me confundindo com outra pessoa – respondeu o santo homem. – Nunca em minha vida fiz nada para merecer a visão de um anjo.
E continuou seu caminho, sem saber do que havia escapado.
Nunca pensar no outro caminho
“Uma vez que escolhemos um caminho, precisamos esquecer todos os outros”, dizia o mestre aos seus aprendizes. Lowon, o discípulo que não sabe aprender, escuta com atenção.
Na saída da conferência, Lowon é convidado por um grupo de pessoas para realizar uma palestra num bar.
- Recuso qualquer pagamento – diz Lowon. – Fiz minha escolha, sou um servidor, quero divulgar a palavra da Fé.
O grupo fica contente, vão até o bar, e Lowon dá a palestra. No final, pergunta:
- Apenas por curiosidade, eu gostaria de saber: quanto dinheiro eu recusei?
Ao saber do excelente pagamento que lhe seria feito, Lowon sente-se explorado pelo grupo que o convidou, e vai queixar-se com o mestre.
- Quando a gente faz uma escolha, deve sempre esquecer as outras alternativas. O homem que segue um caminho, e fica pensando no que perdeu ao abandonar os outros, nunca chegará a lugar nenhum – é a resposta do mestre.
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